Almandrade:

"O Poeta Vive numa Canteira de Obras".

Por Miguel Moreno D.

 

O nome Almandrade - em realidade o artista se chama Antonio Luiz M. Andrade - está sócio a uma singular estratégia dentro do que se chama arte contemporânea. O artista plástico, poeta e arquiteto produziu uma obra que se encaminha para uma estética minimalista, para uma poética que se expressa utilizando um vocabulário mínimo, já seja pictórico ou lingüístico.

Almandrade é um dos principais nomes da poesia visual de Brasil dos anos 70.

Segundo Nicolás Bernard, a cidade de Baía, em Brasil, tem suas crendices e suas surpresas culturais, entre elas Joao Gilberto, Dourival Cayme  e Glauber Rocha e por que não, pergunta-se, Almandrade. Em definitiva, um artista que vem surpreendendo desde faz trinta anos com o rigor, a sutileza e a coerência de trabalhar com diferentes suportes seguido por uma tradição de um saber singular.

 

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O poeta é o cuidador da memória. Você disse que existe uma forma de saber perdida ou desprezada que o poeta se encarrega de recuperar. Como vê a saúde da poesia em Brasil?

 

Parece que a poesia voltou a fazer parte da cidade nos últimos anos no Brasil. Saraus, recitais, debates, publicações, vão se espalhando e ocupando pequenos espaços nos centros urbanos, bares, cafés, bibliotecas. Páginas na internet. Mais uma ilustração da crise da linguagem, do pensar  e da cidadania?  Afinal de contas, poesia passou a ser tudo que alguém escreve movido por uma "inspiração", uma revolta, uma paixão, um discurso livre e aleatório, como: a frase da mesa do bar, o bilhete da namorada, o discurso de protesto, etc. O poeta que já foi expulso da cidade, volta ao cenário urbano na condição de sintoma da cidade grande. Numa época marcada pelo desaparecimento do durável, transmutação rápida dos valores, sem tradição poética, a poesia retorna como um lugar de experiências contraditórias, para atender uma necessidade de lazer e divertimento, do que uma vontade de saber.

 

Qual é sua relação com a obra do grupo de trabalho composto por Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos?

 

Pertenço a uma geração que surgiu nos anos de 1970, no fim das vanguardas. O contato com a poesia concreta, o poema processo foi
fundamental para o desenvolvimento do meu trabalho não só poético como também visual. Realizei inúmeros poemas visuais. Tornei amigo do Décio Pignatari que escreveu um texto sobre minhas pinturas e meus objetos.

 

A poesia concreta é um movimento forte e de grande impacto latinoamericano e mundial , Existem hoje outras correntes literárias em Brasil da importância deste movimento? Que há com as novas gerações?

 

A poesia concreta é produto de um momento histórico do Brasil. Fez parte das nossas primeiras manifestações decididamente modernas. Não houve outro movimento nem é mais possível, como não é mais possível uma vanguarda. Existem os poetas independentes dos movimentos.

 

É mais importante o significante (o signo da palavra como tal) do que o significado?

 

Na poesia o significante não é mais importante que o significado. Acontece que a poesia é um fazer sobre a linguagem, uma experiência com a linguagem. Na poesia visual houve uma aproximação das artes gráficas e um afastamento da literatura, no meu entender, a forma (o significante) passou a ser a essência da poesia.

 

Até que ponto o uso da linguagem levada ao minimalismo, à expressão da forma ou do signo, é um veículo de comunicação eficaz para a gente? ou é privilégio do grupo de intelectuais?

 

A função da arte não é ser veículo de comunicação, embora ela também funcione como veículo de comunicação. A arte é uma forma de intervenção, de provocação com a linguagem. Para Cézanne, um quadro não representa nada. Ele é aquilo que percebemos, o seu sentido não é aquilo que é transformado em idéia, em fala; é aquilo que ele é antes de ser enquadrado em qualquer tema ou teoria. É algo que toca num determinado ponto singular da sensibilidade do observador. Só se tem acesso à arte a partir da própria obra, através de um contato direto com ela, um processo ligado à experiência e ao pensamento. Olhar uma obra de arte é adquirir uma sabedoria e um estilo de ver.

 

Segundo sua opinião Para que serve a poesia?

 

A poesia é uma forma de relacionamento do homem com o mundo, diferente da ciência e da filosofia. A poesia é um conhecimento à parte da razão tecnocrata que rege a sociedade contemporânea, hoje em dia, o homem se defronta com outras oportunidades de linguagens, outros conhecimentos, que deixou de lado o hábito da leitura, principalmente a leitura de poesias. Diante da informática, da música popular, do discurso político, não há lugar para a poesia (lamentável).

 

Com que artistas chilenos sente você algum nível de cercania por suas obras?

 

Eu conheço muito pouco dos artistas chilenos. Estamos isolados aqui na América Latina. Tenho interesse em conhecer mais sobre a arte chilena. Tenho tomado mais conhecimento pela internet.

 

Tem tribuna aberta para dizer o que deseje.

O poeta vive num canteiro de obras. A musa, o acaso,  a razão, o sentimento, os pensamentos abstratos são matérias primas para a sua poesia. Ele produz a partir da leitura de textos alheios, articulando idéias e costurando a linguagem. A poesia é um trabalho que exige de quem faz uma quantidade de reflexões, de decisões, de escolhas e de combinações. As leituras e as experiências modificam a escrita, as palavras não são totalmente espontâneas, como nas pinturas de um Pollock, há um trabalho e um cálculo da escrita. A linguagem poética difere da linguagem que utilizamos para a comunicação diária. Cada poeta explora a linguagem na busca de um acontecimento inesperado, de uma experiência singular. A linguagem cotidiana desaparece ao ser vivida, é substituída por um sentido. A poesia não, ela é feita expressamente para renascer de suas cinzas e vir a ser indefinidamente o que acabou de ser.

 

 

Alguns Poemas de Almandrade.

 

Cenário abstrato
do nada e das coisas.
O quadro é a geometria
onde a realidade
troca de lugar,
muda de enquadramento.
No cálculo das cores
a visibilidade
não nega
a ordem do imaginário.

 

 

HM

 

 

 



O percurso dos séculos
espelha rugas
na geografia da pele
e atrai o silêncio
das notas musicais
os que vão nascer
não vão experimentar
o futuro

vão se render
ao presente.

 

 

SEIOS

 

 

 

A professora sai da aula
voa na imaginação
com as asas
coloridas
de uma borboleta
um corpo na transparência
do erótico
um saber na fala
uma arquitetura feminina
como a chuva
molha o desejo
mas a água
          fria
escorre apressada
      foge
por labirintos indecisos
para bem distante.

          

 

 

VOZ

 

 

 

              

Um nome em branco
revela mais de perto
o lugar,
esvazia o drama,
adormece a palavra.
Lembrança congelada
na pele.
Janelas entreabertas,
mas a luz não entra.

 

 

Links a lugares com artigos sobre Almandrade e sua obra.

 

www.expoart.com.br/almandrade

http://www.imperios.com/monse/escultor/almandrade/almandrade.

http://www.palavreiros.hpg.ig.com.br/criticaliteraria_entrevistacomalmandrade.htm

http://www.sobresites.com/poesia/poeta/almandrade.htm

http://www.livrariasoletrando.com.br/Arsclara/Artecontemporanea/artecont-p.htm